Quiprocó

QUIPROCÓ: UMA ODE À INTERNET

Eu, como muita gente, tenho várias ressalvas à internet, mas, ainda assim, sou dela um entusiasta. Por vários motivos. Pela disponibilidade de informações e pela possibilidade de contatar pessoas, por exemplo. Critica-se a fiabilidade das informações e a modalidade de uma relação que eventualmente pode substituir o tête-à-tête indispensável à sociabilidade humana, mas qualquer meio de comunicação sofre dessas mazelas e nem por isso deixam de ser, por definição, a técnica destinada especialmente a dar acesso ao quê ou a quem não está ao nosso alcance presencial.

Creio pertencer justamente à geração que está assistindo à emergência desse novíssimo meio de comunicação de massa, dessa tão recente “esfera pública” (para usar o conceito do filósofo alemão Jürgen Habermas, tornado clássico no livro Transformação Estrutural da Esfera Pública, de 1962) e aos impactos que ela tem causado na vida social e nas vidas individuais. Passei minha infância e minha adolescência sem a internet, experimentei os primeiros serviços do gênero no país, hoje tão obsoletos (quando a banda larga sensação era de 125kbps, contra uma conexão discada de 75kbps), e agora são raros os lugares que visito desprovidos de wifi gratuita; em minha casa minha conexão é tão imprescindível quanto a água e a luz que consumo. Eu não morro fisicamente sem ela, mas morro socialmente. E, como sou um animal sociável, sem vida social eu não tenho vida plena.

A internet nos permitiu forjar uma nova esfera pública. Toda sociedade dá um jeito de construir a sua própria esfera, porque toda sociedade PRECISA de uma para viver (somos seres políticos, Aristóteles já dizia). Pensando nos meios de comunicação que compõem tal esfera, acho que ela tem SEMPRE algo de não-presencial, não importa se ganha vida através de notebooks ou de papiros. Cada sociedade produz a esfera que melhor lhe atende e de que é capaz, quanto à sua amplitude e diversidade; a internet, tão vasta, é a esfera pública típica de nosso século planetário. É a filha mais pródiga da globalização contemporânea.

Nenhuma sociedade provida de mídias se limitou a grandes veículos ou corporações de imprensa; sempre houve jornais, editoras e panfletos menores, locais, comunitários, bairristas, partidários, sempre ideológicos (que comunicação humana não o é?). Toda pessoa ou grupo que quer se expressar e não tem acesso aos grandes veículos dá um jeito de fundar e fazer circular a própria mídia, pois, à parte as imprensas estatais, os grandes veículos sempre foram empresariais. E aí é que está, pra mim, a revolução que a internet representa: nunca foi tão possível que cada indivíduo neste mundo construísse para si próprio, de maneira mais ou menos livre e independente (pode-se discutir os limites dessa autonomia, mas não se pode negar que ela existe), seu próprio veículo de comunicação, com tamanho horizonte de divulgação e com um direito mais ou menos consagrado à liberdade de expressão. É isso o que a internet traz de novo em relação às mídias que lhe antecederam. É a mídia mais democrática que já existiu. Daí, temos a esfera pública mais democrática que qualquer tempo já produziu. Uma ode à internet é uma ode à democracia.

Mas, ainda assim, lembremos: internet também é um produto, uma invenção, então também está sujeita às lógicas política e econômica. Ela também é criticada porque está colocando em xeque os meios tradicionais de publicização das ideias: editoras, jornais, radiodifusoras, periódicos. Pra mim, porém, isso é uma vantagem: acho ótimo que se destrua o oligopólio da comunicação e que se amplie à enésima potência as vozes na cena pública. Quem está falindo não é a comunicação – ao contrário, ela está se revigorando com a internet, depois de um século de censuras intermitentes –, é a oligarquia midiática (embora outra esteja surgindo: as proprietárias de produtos como o Facebook e o Google, e isso sim é urgente discutir, por razões que futuramente eu abordarei).

A internet é a nossa melhor invenção, atualmente, nosso maior patrimônio. Lutemos para que seja cada vez mais pública, sem invadir, contudo, os direitos individuais; lutemos para que seja regulamentada sem ser censurada, entre outras coisas. O que não é simples, obviamente, mas nada é. Feito o meu elogio, fico de discutir, em breve, algumas questões a esse respeito: pirataria, corporativismo, propriedade intelectual e cultural, etc.

Digo tudo isso para apresentar esta coluna, o Quiprocó. Ela nasceu como um blog independente há 5 anos, mas ficou pouquíssimo tempo no ar e nunca cumpriu o que eu esperava dela: um quid pro quod, de facto; uma troca, um bate-bola de opiniões e também uma eterna polêmica, pois eu acredito que a polêmica é parte inerente e motora do convívio social – Hannah Arendt já nos ensinou que a pluralidade e, logo, a divergência fazem parte da natureza humana (quiçá da natureza animal, eu diria). Em algumas culturas orais brasileiras um “quiproquó” é justamente um reboliço, uma bagunça, ou até uma confusão. Como dissemos na Apresentação deste blog, ele se destina a exercitar a internet e nos dar um espaço opinativo para além das redes sociais imediatas, que são demasiado fugazes para permitir a consolidação e o desenvolvimento de opiniões mais complexas. Realmente, outra discussão que se pode fazer sobre a internet diz respeito à distinção e ao reconhecimento da diversidade interna de seus instrumentos: chats servem muito bem para umas coisas, mas nem tanto para outras, por exemplo. Assim, eu encontrei na iniciativa dos meus irmãos de Quimera um motivo revigorador para relançar o Quiprocó (eu prefiro esta grafia do termo, com “c”), afinal, o Quimera pretende não apenas concentrar publicações e opiniões num mesmo espaço, mas também fomentar a divulgação e o intercâmbio entre elas, ou seja, precisamente um quid pro quod.

Que o Quimera traga o caos que há milênios representa.
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Nesta coluna você encontrará os seguintes textos:

Sermões laicos #1

Que país é este? #1

Que país é este? #2 - A corrupção

Um comentário:

  1. Acho que, falando em internet, vale lembrar também do eterno pedra, papel e tesoura das mídias (Com direito a episódio da Guerra das Mídias no desenho Apenas Um Show), sempre foi dito que o rádio mataria os impressos, que a tv mataria o rádio e que a internet mataria a tv. Dentro da própria internet tem a questão do facebook ter matado o Orkut, do tumblr/instagram tentarem matar os blogs, do twitter matar o blog e dos portais de notícia matarem os jornais impressos. Gostaria de saber a opinião da galera.

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